domingo, 31 de janeiro de 2010

Breve relato

The Day Before

É dificil explicar. É dificil ter discernimento. É dificil explicar... Mas acho que posso tentar explicar em sentido figurado.

Meu mundo desabou. Sempre fui uma construção fragil. Sempre ergui tijolinhos em meio a escombros, e quando a estrutura parecia estavel, vinha um tremor e abalava tudo. Me criei assim, de terremoto em terremoto. Uma vida sem graça, uma vida com emoções forjadas. Pouco veio ao natural. Por um tempo acreditei que estava fadado a viver assim. Talvez por isso não tive interesse em fazer uma boa escolha na faculdade ou nos estudos, e apenas fazer e trabalhar com o que gostava no momento, não havia perspectiva de futuro e longo prazo. Talvez por isso que eu era um mau aluno, e eu sofria e me questionava o porquê somente eu era mau aluno. Eu lembro das minhas lembranças mais remotas. Lembro da escolinha em 1984, lembro da mudança de cidade, lembro dos meus pais semi-ausentes, quando presentes das brigas deles, do bullyng (meu e contra mim) na escola, da minha solidão, do sentimento que quando adulto descobri que se chamava depressão e de tantas outras coisas e tento entender tudo isso para consertar meu presente e reconstruir o meu futuro. Pessoas como eu parecem pessoas normais, e elas SÃO NORMAIS, porém tiveram que enfrentar problemas na vida muito cedo, encarar que a realidade é mais traumática que descobrir que o Papai Noel ou Coelhinho da pascoa não existem. Existem várias formas de lidar com este sentimentos, nos últimos anos eu simplesmente ignorei-os quando encontrei o PILAR: paixão, amor e o carinho. Eu confesso que podemos sobreviver sem um pilar, só é muito triste. Uma pessoa deprimida, solitária e infeliz quando ganha um pilar, torna-se mais confiante, mais feliz, mais interessante, torna-se... PESSOA! Mas o meu desmoronou. Foi no último terremoto, o maior de todos, o meu Big-One pessoal. Ele já parecia fadado a acontecer, porém eu não estava preparado, assim como poucas pessoas conseguem estar preparadas para este fato. Segundo o dicionário, pilar é um elemento estrutural de apoio de uma obra de arquitetura ou engenharia. Eu sou uma obra simples de engenharia, uma construção modesta, pequena e básica. Mas o problema não é minha estrutura, e sim o terreno onde fui construido e sou constantemente reconstruido. Por isso estudo o passado. Quero conhecer bem o terreno no qual fui construido para fortalecer minha estrutura. O pilar que antes me segurava, não existirá mais, mas não quero perder as esperanças, quero tentar fortalecer as paredes e o telhado para compensar aquele pilar forte e robusto que por vários anos deixou-me livre dos terremotos. O pilar era indestrutível, juro. Mas como toda construção, exige manutenção permanente. Eu fui displicente com isso. Não soube mante-lo, só remenda-lo. Foi um grande erro. Eu deixei destruir algo indestrutível. Como eu fui idiota! Como eu fui ignorante! Eu tinha uma casa simples e da noite pro dia achei que morava em uma mansão. Agora estou sem teto. Remendos não duram para sempre. Aguentam alguns tremores fracos e médios, mas provavelmente não suportará um grande. Mas eu tive uma luz pouco tempo antes do meu Big-One. Eu estava pressentindo algo. Eu já havia remendado de todas as formas o pilar, mas eram apenas remendos. Ocorrera muitos tremores pequenos, portanto estava tendendo para um grande. Foi então que busquei consultoria de uma engenheira. Debatemos muito abordando sobre o terreno onde eu estava e o meu pilar de sustentação. Explicara que tudo estava muito delicado. Após 13 dias de calmaria e tranquilidade, fiquei sabendo que eu precisaria retirar o pilar da minha estrutura no final do ano para passar por um recall muito longe da minha residência.Eu fiquei desesperado pois era justamente no final do ano que os terremotos destruiam minha casa e eu jurara pra mim que nunca mais iria passar por isso novamente. Eu fiquei estarrecido, o pilar iria ter que sair no momento em que eu mais precisaria dele para fortalecer minha estrutura. Foi um momento muito dificil, muito angustiante, eu conversei muito com a engenheira esperando que ela me desse a resposta para resolver tamanho problema estrutural, mas a engenheira fora extremamente profissional, ela entendeu que o pilar para mim era mais que uma sustentação, eu gostava daquele pilar, mas o recall era compulsório. Eu sempre tive certa dificuldade para tomar decisões de cunho emocional somado ao racional. Sabendo que eu não teria o pilar na estação de terremotos resolvi tomar a drástica decisão de retirar o pilar da minha estrutura e começa-la a preparar para o periodo de tremores que meu terreno sofre no final do ano. Eu juro, juro que não queria passar por outro terremoto. Porém imediatamente a engenheira me indicou o teste de uma tela de fixação de 25mm de espessura para ir acomodando a estrutura já sem o pilar. Eu fiquei sem pilar por alguns dias mas logo a tela conseguiu segurar a minha estrutura e eu já estava ficando resignado de ficar apenas com a tela. Eu sei. Seria muito feio esteticamente. O pilar além de ser propriamente um pilar, era lindo, era vermelho no teto e branco por todo resto. Era GRANDE. E eu como sendo uma casa simples e pequena, tendo como pilar um pilar como este deixava minha casa linda e maravilhosa. Mas tinha um motivo principal que manteve este pilar comigo por ano: EU AMAVA DEMAIS AQUELE PILAR. Era literalmente e figuralmente.... MEU PILAR! Porém o pilar já estava tão remendado que eu achei que ficaria mais feliz com a casa firmada por tela de fixação do que com o pilar remendado que estava para desabar a qualquer momento e precisava de recall e manutenção externa. A tela deu-me alguns dias de tranquilidade e segurança para enfrentar o próximo mês, algo que há alguns meses eu perdera também. Até que certo dia, eu não resisti. Sério. Eu poderia ter evitado, mas era mais forte do que eu. Vou contar o que eu fiz: Minha casa estava sem o pilar mas a tela de proteção estava segurando bem minha estrutura, eu estava confiante que passaria os tremores do final do ano com aquela tela. Mas eu sou teimoso e por certas vezes impulsivo. Mesmo tranquilo eu resolvi ir no depósito onde estava guardado o pilar apenas para olha-lo. Queria só ve-lo, lembrar de como ele era lindo mesmo fora da minha estrutura. Para ve-lo eu dei a desculpa que queria pegar outros materias que estavam no mesmo depósito que o pilar. Ao entrar pelo portão e dar de frente com o pilar, neste exato momento que eu o vi, eu decidi, nunca mais vou tirar este pilar da minha casa e da minha vida! Quero ele pra sempre comigo, até o dia que minha casa perecer e desmoronar pela idade. Minha casa não era nada sem aquele pilar! Eu gostava demais daquele pilar, mesmo enfraquecido e fragilizado pela minha péssima manutenção, aquele pilar era mais que um pilar, era mais importante que minha casa. Era o objeto mais importante, era o móvel mais garboso, era o eletrodoméstico mais tecnológico, o quadro mais colorido, era o que havia de mais imponente! Quem entrava na casa falava UAU! Que lindo! Esta casa é linda com este pilar... Logo após ter recolocado o pilar em minha casa, eu passo a pensar no futuro de minha residência. Ela estava feia, pois eu estava fazendo uso da tela ainda, na mesma espessura de 25mm. Começei a planejar reformar toda minha casa e fortalece-la e não usar mais o pilar para sustentação, mas para somar a casa e tornar a casa e o pilar a mesma coisa, aos meus olhos uma mansão, poderia realmente tornar-se uma mansão. Eu estava decidido. Estava motivado com esta grande reforma. Estava... Quando resolvi colocar o pilar de volta em minha estrutura, eu precisava lembrar do recall a ser feito exatamente na semana do final do ano. Mas eu não tinha escolha, tinha que ficar sem o pilar no final do ano. Então começei a pensar e refletir. Se eu quero mesmo ficar com este pilar, eu preciso deixa-lo que vá fazer o recall, afinal, eu não fui capaz de dar a manutenção correta. Então preciso aceitar que se estou a mercê de um terremoto é porque eu fui responsável por isso e não fui prudente para mante-lo quando mais eu precisaria dele. Bom... eu admito. Como a tela de proteção fora firme com a ausência do pilar, eu senti-me muito tranquilo, entrei o mês de dezembro com o tempo bom e nenhum tremor. Estava muito confiante que não haveriam tremores. Estava mesmo. Como eu fui ingênuo. O pilar ficou na minha casa no Natal. Minha casa estava cheia, linda, um belo Natal... Lembro como se fosse hoje, era dia 26 de dezembro, um sábado, o transporte estava combinado de levar o pilar a tarde, eu lembro como se fosse agora, a última vez que o vi. O pilar fora acomodado no transporte, e eu sai caminhando sem olhar pra trás. Após uns 50 passos, eu olho o veículo em movimento se distanciando... eu parei, cheguei a levantar os pés quando o veículo já estava há uns 200 metros... foi a última vez que vi aquela peça que fez parte da minha estrutura por 1/3 do tempo da minha construção... A partir daquele momento eu não tinha mais nada, era apenas eu e mais uma fina tela de apenas 25mm para segurar minha casa em um terreno instável na época dos terremotos. Agora eu precisava me preparar para caso tivesse que enfrentar a tormenta.passou-se os dias 27, 28, 29 e 30. Eu achei que minha estrutura estava firme. Eu preguei as janelas, eu deixei uma peça totalmente vazia e acolchoada, peguei vela e água. Juro, eu estava confiante de que nada disso seria necessário, estava achando que o terreno já estava bem firme desde o último tremor quando não existia o pilar, há muitos anos. Achei que nada estava para acontecer....ledo engano... lembro do dia 31 amanhecer, abro a janela, está tudo muito quieto, um silêncio ensurdecedor, e eu pressenti que isso era presságio de algo ruim. Começei a ficar com medo e inseguro. Era apenas eu e minha frágil casa atada por amarras finas. Odeio lembrar mas preciso reviver isso como terapia, os tremores começaram antes do anoitecer, oscilando entre fracos e fortes, mas o sufuciente para expor rachaduas pelas paredes e destelhar bastante. Eu já estava encolhido no quarto com colchões e meus primeiros-socorros, estava assustado demais. Mas o pior estava por vir. Aproximadamente a meia-noite começou um grande barulho e tremores gigantescos, mesmo eu deitado no chão eu era jogado de um lado para outro. Eu não escutava nada além de um barulho fortíssimo como uma boiada estourando. Eu não enxergava nada a não ser flashes que quando surgiam via o estrago na minha volta. A cada flash eu via tudo se despedaçando, eu via tudo caindo por cima de mim e me machucando. Eu gritava, gritava, gritava, eu já não lutava mais pela minha casa mas pela minha vida. Eu estava desesperado e em pânico a dor era insuportável, eu sentia meu corpo totalmente lesionado mas não sentia mais dor, a única sensação que eu tinha era da dor de ausência do meu coração arrancado. Os segundos eram minutos, os minutos horas. E as horas não eram dias, eram séculos...Eu já havia desistido, meu desespero era total, estava enfrentando sozinho algo infinitamente mais forte do que eu. Então repentinamente os tremores começaram a cessar por volta das 5 da manhã. Neste momento ficou tudo escuro e tudo em silêncio mesmo. Não enxergava nem flashes, apenas escuridão. O silêncio era tanto que eu poderia escutar uma gota caindo em um copo há muitos metros de distância. Eu apenas pensei, o terremoto passou e de nada mais lembro...


The Day After

Lembro de acordar repentinamente. Como num susto. Como acordar de um pesadelo mas saber que o pesadelo foi real. Pesadelo seria o sonho mais lindo que eu poderia ter tido se pudesse escolher entre o que passei e uma fantasia noturna. Antes que pudesse ter qualquer reação além de abrir os olhos e respirar, meu corpo começa a sentir. Neste momento eu não olho mais para a casa, pois ela não existe mais, não sobrou absolutamente nada a não ser escombros por cima de mim. E estes escombros são pesados. Foram anos e anos de coisas guardadas que eu poderia ter reciclado que simplesmente cairam por cima de mim no mesmo instante. Ah se eu tivesse sido mais experto...Teria alivado peso muito antes, teria incinerado muito lixo... Eu me levanto totalmente fraturado e com hematomas. Doi absolutamente tudo. Agora doi mesmo, agora eu sinto a dor. Não tenho muita reação a não ser chorar por muitas horas. Após algumas horas chorando começo a me recompor mesmo ferido. Meus olhos estão muito vermelhos e inchados. Passei por uma provação de Deus e estou vivo, mas se eu tivesse escolha, eu não gostaria de ter sobrevivido. Eu tenho outras responsabilidades, perdi totalmente minha casa, mas eu ainda tenho meu trabalho, e eu trabalhei neste dia, totalmente ferido totalmente trautatizado, totalmente deprimido. Preciso manter a postura, eu acabo de ressucitar o quanto é duro ser uma pessoa solitária e ser infeliz. Mas eu estava mal-acostumado, passara muitos anos apoiado por um forte pilar e meus calos cicatrizaram, meus demônios que estavam exorcizados e voltaram com força total. Simplesmente estava sob efeito pós traumático e consegui concluir o resto do dia, sem falar para ninguém que eu sobrevivera de um terremoto, mas que eu estava naquele estado apenas por causa de uma ressaca. Mesmo ferido a primeira coisa que tento fazer é reconstruir algum lugar para poder morar novamente pois estava desabrigado. Tento encontrar minha engenheira, mas em vão, estava de férias longe dos terremotos assim como meu pilar estava longe para me apoiar. Nos próximos dois dias eu monto um acampamento provisório utilizando das sobras da minha estrutura, onde pretendo recomeçar. Tento manter as aparências de como se minha casa estivesse em pé ainda para reaver logo o pilar para recomeçar a construção na volta dele. Mas ao abordar sobre o pilar, houve uma discussão muito grande e soubera que meu pilar não mais faria parte da minha reconstrução....

A Time After

Hoje faz exatamente 1 mês que passei pelo pior terremoto de minha vida. Um dia que desejo com todas minhas forças esquecer mas e que fique enterrado para sempre com uma lápide para lembrar que ele existiu. Anteriormente eu era uma casinha construida fragilmente e que suportou muitos tremores e destruições. Hoje não tenho casa. Estou vivendo precariamente e fazendo de muita força para levantar um muro. Ainda não consegui levantar nenhum muro, pois ele está caindo a todo momento. Mas estou muito feliz que minha engenheira voltou das férias e pode me dar consultoria para tentar descobrir a melhor forma de reconstruir minha casa.
Eu cheguei a uma conclusão, por 30 anos eu quis ser uma grande mansão no qual eu nunca fui. Eu quis muito luxo e muito requinte no qual nunca conquistei. Eu vivi a ilusão que minha casa nunca mais desabaria pois eu tinha um pilar muito forte. Mas eu não soube mante-lo, e perde-lo está sendo doloroso demais.
Portanto tomei uma decisão. Não irei mais construir neste terreno no qual vivi por 30 anos. Passei momentos maravilhosos e momentos infelizes neste terreno vivido por mim em todos estes anos. Mas o trauma deste último terremoto foi meu último aviso. Nó próximo eu não sobreviverei. Portanto eu decidi, estou me mudando. Muito obrigado pelo ensinamento, muito obrigado pelas cicatrizes a ferro incandescente, elas estarão comigo para sempre, sempre a me alertar e a me avisar do que vem pela frente. Descobri que eu sei construir uma casa muito forte, que eu sou um bom mestre-de-obras, eu apenas não soube escolher o terreno e o pilar deve ser permanente. Neste momento estou morando em um cortiço feito com papelão e jornais e algumas sobras da minha última casa. Caso desabe não ficarei tão ferido. Não estou com pressa, mas eu hei encontrar o terreno firme, e aí sim, construirei uma pequena casa, simples e pequena como eu, e será minha mansão. Obrigado pelo ensinamento não será em vão.
Hoje, 31 de janeiro de 2010, exato 1 mês do momento mais crítico da minha vida.

Ps. Começei a escrever pois é o único meio que encontrei como fuga da solidão e da depressão.